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Ângela Leal: “Viver Xepa é reencontrar referências da minha vida”

Divulgação

Ângela Leal encara o papel principal em Dona Xepa como um passeio afetivo ao seu passado. A primeira lembrança vem da infância, em São Paulo, onde conheceu uma verdureira chamada Dona Piedade.

"Era uma mulher marcada pela vida, sem vaidades, que acordava cedo para sustentar sua família. Aquilo me comovia muito e nunca saiu da minha cabeça", conta.

Em 1952, Ângela cruzou novamente com a história de uma feirante batalhadora. Era a trama central de Dona Xepa, peça de Pedro Bloch que estreou e fez sucesso no Teatro Rival,  localizado na região central do Rio de Janeiro e propriedade da família da atriz até hoje.

"Era casa lotada de terça a domingo. Muito do sucesso da história vem da identificação do público com a luta de uma mãe destemida", destaca a atriz que, em 1977, já conhecida por seus papéis em novelas globais como Selva de Pedra e Gabriela, interpretou a doce Regina, melhor amiga de Dona Xepa na versão televisiva do espetáculo, assinada por Gilberto Braga.

"Por tantas lembranças e pela minha intimidade com a história, acho que esse papel estava destinado a mim e eu nem sabia", ressalta, aos risos.

Carioca, filha do produtor teatral Américo Leal e mãe da atriz Leandra Leal, Ângela confessa que foi pega de surpresa pelo convite da Record para viver a protagonista de um novo remake da história de Bloch, agora sob a responsabilidade de Gustavo Reiz e com previsão de estreia para o dia 21 de maio.

"Faço teatro desde sempre e tenho mais de 40 anos de televisão. Aos 66 anos de idade, eu estava passando por um momento de trabalhos esporádicos e mais tranquilos. Mas não conseguiria dizer não para esse papel", assume, exibindo o mesmo entusiasmo que encarou em sua primeira novela, a mítica Irmãos Coragem, de 1970.

Mesmo sem grandes doses de saudosismo, Ângela lembra com carinho de suas passagens por diversas emissoras, sobretudo Globo, onde além das tramas citadas, também esteve em O Astro e Roque Santeiro, e Manchete, onde participou de Pantanal e experimentou o sucesso popular na pele da misteriosa Biga de

"A História de Ana Raio e Zé Trovão". "Minha carreira é repleta de personagens fortes. Espero e vou fazer de tudo para que minha versão de Xepa seja coerente com esse histórico", promete.    

De olho no patrimônio
Focada nas gravações de Dona Xepa, Ângela Leal dedica-se, à distância, ao Teatro Rival, casa de espetáculos fundada por seu pai, Américo Leal, em 1934. Com o auxílio de câmaras instaladas no local e um software de monitoração, ela consegue, através de seu tablet, ver e saber tudo o que acontece na plateia e nos bastidores do teatro.

"As novas tecnologias me ajudam muito. De casa, vejo se está tudo nos conformes, se estão limpando e cuidando. É um local muito importante para mim. É preciso zelar pela memória do Rival", derrete-se.

Por não querer mais o estresse burocrático que é cuidar de questões financeiras e artísticas de um teatro, Ângela resolveu se afastar do front de trabalho do Rival. Mas continua de olho em tudo. Inclusive, no faturamento e na equipe que treinou especialmente para ficar no seu lugar.

"Escolhi a dedo. São pessoas de confiança e que seguem a mesma linha ideológica que minha família. A gente sempre lutou por um país mais cultural", gaba-se.

Nó na língua
O envolvimento de Ângela Leal com Dona Xepa é tão grande que, mesmo sem querer, ela se pega massacrando a língua portuguesa e falando as gírias da humilde personagem do folhetim.

"Pode parecer desculpa, mas a entrega é total. Fico trocando algumas letras e falando igual a Xepa", admite a atriz, lembrando que estava saindo de casa dia desses e, ao ser abordada por uma vizinha perguntando para onde ela estava indo com tanta pressa, respondeu:

"Vou gravar e 'tô cheia das mala'", conta, entre gargalhadas.


O Fuxico: Você atuou na primeira versão para a tevê de Dona Xepa, de 1977. Como é voltar à história da personagem, agora no posto de protagonista?

Ângela Leal: É um reencontro com muitas memórias e referências da minha vida. Xepa é uma mulher de valores e isso sempre me encantou. O bem estar dela é o bem estar dos filhos. Se ela é feliz assim, por que tem de ser ao contrário? Algumas pessoas nasceram para ser mães e não encaram essa dedicação de forma tão pejorativa. E aí vem um ponto importante de Dona Xepa: é o tipo de novela que faz o público pensar. O fato de ela ter se anulado ou não é a grande discussão do texto. Além de acreditar na força das ideias contidas na personagem, descobri a delícia de ser protagonista depois dos 60 anos (risos).

OF: Como assim?

AL: Além de me sentir valorizada, minha experiência faz com que tudo pareça mais leve. Não existe o peso que essas jovens atrizes de hoje sentem em carregar uma novela nas costas. É claro que foi uma surpresa e é lógico que eu estou ansiosa. Só que esse nervosismo é na tentativa de emocionar o público, e não em gravar muito, decorar o texto e ainda ser capa de revista.

OF: Qual sua principal lembrança da primeira versão da trama?

AL: Eu lembro muito da Yara (Cortes)! Na primeira versão, minha personagem, a Regina, era a antagonista da Rosália. Regina não suportava o jeito com que os filhos tratavam a Xepa. Como eu e Yara contracenávamos muito, acabamos criando uma real conexão materna em cena e essa amizade passou para fora dos estúdios. Posso até dizer que ela foi minha "mãezinha" artística.

OF: Por toda essa proximidade, você, de alguma forma, se inspirou na atuação da Yara Cortes na construção de sua Xepa?

AL: Fui por outros caminhos. Mas homenageio a Xepa da Yara no andar e na raiz dos cabelos à mostra. São outros tempos, dramaturgicamente, não seria interessante conduzir a personagem da mesma forma. Na minha Xepa, eu coloco um pouco de sensualidade de uma mulher que deixou escapar esse lado, que não viveu sua sexualidade como deveria. Fora isso, o texto me deu uma base importante e eu pesquisei e estudei alguns detalhes para a composição.

OF: A história de "Dona Xepa" é ambientada em São Paulo, cidade onde você morou durante a infância. Ter uma vivência paulistana ajudou no trabalho de construção da personagem? 

AL: Com certeza! Tenho uma relação forte com São Paulo porque fui criada lá, na região da Consolação. Estudei no Colégio Santa Inês, passeava com minha família pelo centro da cidade. Então, toda vez que vou até lá, meu coração bate forte, acho que é a grandeza daquela paisagem que me contagia. Gosto da força e da coragem paulistana, principalmente para enfrentar aquele trânsito caótico e cotidiano (risos). Tenho um caso de amor antigo pela cidade, mas confesso que precisei pesquisar bastante para criar alguns detalhes da Xepa, especialmente, o sotaque.

OF:  E como você chegou ao sotaque ideal para a personagem?

AL:  Minha inspiração foi a falecida Myriam Muniz. Uma atriz extremamente arredia com a televisão e que fez carreira no teatro – em companhias importantes como o Teatro Oficina. Graças à internet, no You Tube tem uma série de vídeos dela atuando. O modo que ela tinha de falar me chamou a atenção porque é um paulistano extremamente natural, sem aqueles exageros italianos utilizados por alguns atores. Estudei muito os vídeos dela. Para falar a verdade, fiquei umas três semanas dormindo e acordando com a voz da Myriam. Quem me indicou essa referência, inclusive, foi a Bete Mendes.

OF:  Assim como a Dona Xepa, boa parte das personagens importantes de sua carreira são de composição, caso da Olga, de Gabriela (1975), e a Biga, de A História de Ana Raio e Zé Trovão (1991). É uma preferência sua?

AL: Adoro mergulhar no universo das minhas personagens. Compor um personagem é um processo muito especial e que requer dedicação. Pois qualquer erro ou exagero pode ser fatal. No entanto, quando dá certo, é um prato cheio para a intérprete. É engraçado o apelo popular que esses tipos desenvolvem. Se bem que, apesar do sucesso de alguns papéis, acredito que minha trajetória é vista pelo público de forma mais abrangente.

OF: Por quê?

AL: Acho que tenho mais uma história de vida do que apenas uma carreira artística. As pessoas na rua não me param apenas por conta de um personagem mais popular ou outro. Sou reconhecida por ter sido Secretária de Cultura do Estado do Rio de Janeiro, também por ter trabalhado como diretora de Sindicato na época da regulamentação da profissão de ator. Sou atuante e, mais que tudo, uma militante da vida e da arte.

OF: Inclusive, a política e o cargo de direção do Teatro Rival acabaram por afastá-la da atuação. Em qual momento a carreira de atriz deixou de ser prioridade para você?

AL: A vida me levou para outros caminhos. Mas minha grande paixão sempre foi atuar. No entanto, meu envolvimento com causas políticas e o nascimento da minha filha fizeram com que eu deixasse a atuação um pouco de lado entre um trabalho e outro. De olho nesse momento fora do ar, os amigos me chamavam para fazer muitas "pontas" no cinema, em longas como Zuzu Angel e Querô. Eu não podia me envolver de forma mais profunda com uma personagem. Então, essas participações eram uma boa forma de matar a saudade da atuação

OF: Depois de muitos trabalhos mercantes na Globo e na extinta   Manchete, você é contratada da Record desde 2007. Como avalia esse seu período na emissora?

AL: Pela minha idade e pela minha história, considero esse período na Record como uma espécie de repouso de uma atriz. Gosto desse respeito que a emissora tem pelo meu trabalho. Eu queria mesmo um tempo fazendo papéis menores, escolher minhas participações de acordo com a minha vontade e acredito que esta seja a postura não de uma atriz em fim de carreira, mas em plena maturidade. Fiz algumas participações antes, mas considero Bela, A Feia (2009) minha primeira novela na Record. E acredito que Dona Xepa seja o meu grande papel dentro da casa. Fiz coisas pequenas e simples, inclusive, uma participação em Balacobaco, mas só para matar a vontade e respeitar meu contrato com a emissora. 

OF: Entre Bela, A Feia e a minissérie bíblica Rei Davi, você teve de fazer duas cirurgias no quadril para tratrar uma artrose. Achou que, de alguma forma, essa doença pudesse forçá-la  a se aposentar?

AL: De jeito algum. Ainda tenho muita coisa para fazer. Mas é um fato: a artrose me deu muito trabalho e tive de passar por duas cirurgias. Porém, essa fase ruim passou. O doutor Pedro Ivo colocou duas próteses e eu estou me sentindo ótima! 

OF: Protagonizar uma novela demanda um elevado número de cenas por dia. Aos 66 anos e depois de problemas de saúde, você sente alguma dificuldade para trabalhar?

AL: Nenhuma! Graças a Deus, tudo ficou bem! Não tive qualquer problema para gravar as cenas, seja no estúdio ou nas externas em São Paulo. E olha que as gravações têm realmente um ritmo muito puxado. É claro que a produção tem todo um cuidado comigo, já que, aos 66 anos, não tenho mais o desempenho físico de uma garotinha. Mas hoje isso é bem comum, muitas atrizes da minha idade exibem saúde e estão duras de matar e de morrer (risos).

Trajetória Televisiva

# Irmãos Coragem (Globo, 1970) – Iolanda.

# O Homem que Deveria Morrer (Globo, 1971) – Ângela.

# Selva de Pedra (Globo, 1972) – Jane.

# O Semideus (Globo, 1973) – Carmem.

# Gabriela (Globo, 1975) – Olga.

# Escrava Isaura (Globo, 1976) – Carmem.

# Vejo a Lua no Céu (Globo, 1976) – Ruth.

# O Astro (Globo, 1977) – Laura.

# Dona Xepa (Globo, 1977) – Regina.

# Água Viva (Globo, 1980) – Sueli.

# O Bem-Amado (Globo, 1980) –  Bebel.

# Quem Ama Não Mata (Globo, 1982) – Yara.

# Roque Santeiro (Globo, 1985) – Odete.

# Tenda dos Milagres (Globo, 1985) – Cesarina.

# Novo Amor (Manchete, 1986) – Isabel.

# A Rainha da Vida (Manchete, 1987) – Estefânia.

# Mandala (Globo, 1987) – Mercedes.

# Pantanal (Manchete, 1990) – Maria Bruaca.

# A História de Ana Raio e Zé Trovão (Manchete, 1991) – Biga.

# Guerra Sem Fim (Manchete, 1993) – Vânia.

# O Marajá (Manchete, 1993) – Fofoqueira.

# Confissões de Adolescente (TV Cultura, 1994) – Ivone.

# Tocaia Grande (Manchete, 1995) – Zilda.

# Xica da Silva (Manchete, 1996) – Marquesa Carlota.

# Mandacaru (Manchete, 1997) – Olívia.

# Chiquinha Gonzaga (Globo, 1999) – Celeste.

# Vidas Cruzadas (Globo, 2000) – Beatriz.

# Páginas da Vida (Globo, 2006) – Hilda.

# Sete Pecados (Globo, 2007) – Olavo.

# Amor e Intrigas (Globo, 2007) – Edith.

# Bela, A Feia (Globo, 2009) – Olga.

# Rei Davi (Globo, 2012) – Edna.

# Balacobaco (Globo, 2012) – Heloísa.

# Dona Xepa (Globo, 2013) – Dona Xepa.

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