Jayme Matarazzo : “Evitei o caminho mais fácil. Sei quem são os artistas”

Por - 26/08/12 às 10:14

Pedro Paulo Figueiredo / Carta Z Notícias

Jayme Matarazzo encara a carreira de ator com simplicidade. Sem a vaidade e o deslumbre com a fama, bem comum em jovens atores, o intérprete do esquentado Rodinei, de Cheias de Charme, da Globo, mostra-se mais interessando em construir uma carreira diversificada e independente do nome de seu pai, o diretor de núcleo da Globo, Jayme Monjardim.

"Não existe peso em ser filho de quem sou. O admiro como diretor e assim como tenho vontade de voltar a trabalhar com ele, também almejo ser reconhecido pelo meu trabalho", conta o ator, que estreou na tevê interpretando o próprio pai quando criança em Maysa – Quando Fala o Coração, minissérie de 2009 que retratou a trajetória de sua avó, a cantora Maysa, na Globo.

Apenas três anos separam a estreia do ator paulistano na tevê e seu personagem na atual novela das sete. No entanto, Jayme analisa com orgulho as diferenças entre os tipos que vem interpretando. Depois de dar vida ao espírito Daniel, de Escrito nas Estrelas, e ao valente Príncipe Felipe, de Cordel Encantado, ele se sente instigado pela chance de viver seu primeiro papel naturalista e com características mais populares em Cheias de Charme.

 "O universo do grafite sempre me interessou. Mas o personagem vai além da arte. Ele reflete o cotidiano de pessoas reais, verdadeiros artistas urbanos divididos entre a ideologia e o mercado das artes plásticas", destaca o ator de 26 anos.

Leia a entrevista:

Jayme Matarazzo : “Evitei o caminho mais fácil. Sei quem são os artistas”O Fuxico: O grafite não é um tema muito recorrente na teledramaturgia. Qual era sua relação com esse tipo de arte antes de dar vida ao Rodinei?

Jayme Matarazzo: O grafite é uma expressão artística muito urbana e visceral. Por isso, sempre me chamou a atenção. Ao saber os primeiro detalhes sobre o Rodinei, vi que seria legal me aprofundar neste tema. Uma coisa é você apreciar o grafite, outra coisa é saber quem são as pessoas que produzem essa arte. Hoje, ao invés de admirar e tentar interpretar as obras que vejo espalhadas pelas ruas, sinto que fui além. Dois meses de preparação me deram o estofo necessário para o papel.

OF: Como assim?

JM: Evitei o caminho mais fácil. Sei quem são os artistas. A partir das histórias de cada um, consigo saber as reais motivações de suas obras. Isso me dá uma impressão mais real do trabalho deles, que ultrapassa formas e cores. Sei a maneira que se expressam, qual é a interação deles com a rua e a mensagem que querem passar. Meu mergulho nesse universo não foi só na arte, mas na ideologia do grafite, que reúne um mundo de artistas e apreciadores, inseridos em diferentes camadas sociais. Minha pesquisa foi bem antropológica.

OF:  A dificuldade em lidar com a comercialização da arte é um dos pontos centrais da trama de Rodinei. Essa característica foi o foco de sua preparação?

JM: Com certeza. Vi os dilemas do Rodinei na realidade. Ele é como muitos grafiteiros que conheci. Ele teve uma infância difícil, é extremamente íntegro e apaixonado pelo que faz. Usa a rua para se expressar e acaba ganhando notoriedade com isso. Em nenhum momento ele quer que essa popularidade passe por cima das coisas que ele acredita. Por ser engajado com a ideologia do grafite e ter um pensamento político vibrante, ele acaba em um grande dilema, achando que o sucesso de sua arte possa significar a venda dele para o sistema. Até porque ele não quer ser visto como um artista individual. Ele pensa coletivo, e quer que todo o "crew" (grupo de amigos que habitualmente pintam juntos) seja reconhecido. Rodinei é bem complexo (risos).

OF: Esse "dilema" aumenta com o envolvimento do Rodinei com a Liara (Tainá Müller). Você acredita que é possível fazer sucesso, sem perder os valores pessoais?

JM: O que é bom, em algum momento precisa ser mostrado. A Liara abre a cabeça dele. Ela morou anos em Berlim, é superligada à arte de rua, mas de forma mais elitizada. Ela exibe o trabalho dele no exterior, as pessoas se interessam e ela quer explicar a ele que fazer sucesso não é crime (risos). Eu concordo muito com isso. No entanto, meu personagem é muito quadrado. Ao invés de ficar feliz, ele fica chateado, pois não quer transformar sua arte em negócio. Artistas independentes, verdadeiramente conceituais e acostumados a um processo artesanal, quando descobertos, passam por momentos desse tipo.

OF: Além de compor as complexidades do Rodinei, você também teve de aprender a grafitar. Isso ficou apenas para o personagem ou você passou a colorir muros da cidade?

JM: Foi uma parte envolvente do processo e acabou por invadir a vida pessoal. Pintei ao lado de alguns amigos que conheci durante a preparação. Hoje em dia, de vez em quando, convido o Sérgio Malheiros, que faz o Niltinho na novela, para fazer uma arte, uma pintura, pela Barra da Tijuca (Zona Oeste do Rio de Janeiro), bairro onde a gente mora. É bacana passar por esses lugares e ver alguma obra minha.

OF: Você tem dois trabalhos de época e uma trama de tom espiritual no currículo. O clima urbano de "Cheias de Charme" foi importante na hora de acertar sua participação na novela?

JM: Sem dúvida, este é meu personagem mais urbano, solto, moleque. Que tem uma juventude de rua. Em "Escrito nas Estrelas" fiz um espírito, um trabalho denso, pesado. Depois, em "Cordel Encantado" eu era um príncipe contido, sonhador, em uma trama de época. A relação do Rodinei com a contemporaneidade me deixou diante de algo novo, que eu ainda não tinha experimentado na tevê. Essa diferença me encheu de vontade de fazer a novela. Mas existem outros motivos para eu aceitar um trabalho.

Jayme Matarazzo : “Evitei o caminho mais fácil. Sei quem são os artistas”OF: Quais?

JM: Eu sou um "novato". Estou apenas começando. Nada melhor do que aprender fazendo. Então, é interessante para mim quando pinta um personagem bacana, forte, em uma novela com propostas arrojadas. A verdade é que, como iniciante e contratado pela emissora, eu tenho a obrigação de dizer sim (risos). Outra coisa importante é que "Cheias de Charme" é a quarta equipe diferente com que eu trabalho.

OF: Por ser seu primeiro personagem urbano, esteticamente o Rodinei é bem diferente de seus papéis anteriores. Qual a importância do visual para a sua atuação?

JM: Ajuda muito a distanciar os personagens na memória do público e na minha interpretação. Desde que estreei, fiz um trabalho por ano. É preciso criar essa diferenciação visual entre eles e o Rodinei realmente é o mais diferente da minha carreira. Raspei o cabelo, passei a usar cavanhaque e estou mais relaxado, sem frescura mesmo, com o meu próprio "look".

OF: Você se importa em ter de mudar o seu visual em prol de um personagem?

JM: Não. Eu já nem tenho muita vaidade. Por isso, é muito tranquilo mudar por causa de trabalho. Me coloco sempre à disposição da equipe de caracterização e me adaptei rápido a esse visual. Particularmente, gostei do cabelo, acho que combinou com o clima quente do Rio de Janeiro.

OF: Desde a sua estreia em "Maysa – Quando Fala o Coração", você não trabalhou em mais nenhuma produção dirigida por seu pai. É uma forma de você seguir um caminho independente dentro da emissora?

JM: Não tenho nenhum problema em trabalhar com meu pai. Porém, sempre que ele está no comando de alguma produção, eu já estou envolvido em outra. Isso simplesmente acontece! Não é algo que eu esteja buscando. Ao mesmo tempo em que adorei atuar sob o comando dele, acho muito legal ser chamado por outras produções.

OF: Por quê?

JM: Sou muito curioso. E uma das coisas mais bacanas dentro da Globo é a variação do trabalho de acordo com o diretor de núcleo. Isso é relevante para mim. Nunca escondi meu desejo de aprender outras coisas. Agora estou focado em interpretar, mas tenho muita vontade de dirigir. Gosto de ter a chance de conhecer uma outra equipe, ser guiado por outro diretor e trabalhar o texto de um novo autor. E fico contente por em tão pouco tempo de carreira ter meu nome lembrado por ncleos diferentes.

OF: "Cheias de Charme" acaba em setembro. Você já tem algum projeto para quando a novela chegar ao fim?

JM: Aproveitando esse meu desejo em dirigir, fiquei com muita vontade de fazer um documentário sobre o universo do grafite. Acho que seria uma maneira de homenagear e mostrar os artistas que me ajudaram. Não tem muita coisa no Brasil sobre esse tema, então seria legal apresentar um trabalho do tipo. Seria minha primeira brincadeira como diretor, mas é algo bem embrionário ainda.

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