O Peso do Passado: Nicole Kidman surge transformada em filme produzido por mulheres

Por - 15/01/19

Divulgação

A grande força do neo-noir O Peso do Passado (Destroyer, 2018, EUA) ultrapassa o da película em si. Em entrevista para o jornal The New York Times, Nicole Kidman aponta a importância da produção ser encabeçada por mulheres em postos-chave, como a diretora de fotografia Julie Kirkwood e a gerência de produção com Caroline Connor, além de Karyn Kusama (O convite, 2015) na direção.

Esse posicionamento de Nicole demonstra o quanto o cinema americano em especial reagiu aos recentes escândalos de astros de Hollywood, com o movimento #MeToo catapultando ao centro de discussões, finalmente, várias outras questões relativas às mulheres da indústria cinematográfica. Os salários menores para atrizes protagonistas em relação a seus colegas de produção na mesma função, a ocupação de posições de liderança por homens em produções e a tomada de decisões com viés exploratório de gênero por parte dos altos executivos dos grandes estúdios são pontos que Karyn levanta em sua vivência em Hollywood como diretora desde a estreia de Boa de Briga, em 2000.

Em Garota Infernal (2009), Karyn Kusama já tinha conseguido que posições-chave, além da direção, fossem ocupadas por mulheres, como o roteiro e produção executiva de Diablo Cody, além do protagonismo feminino com Megan Fox e Amanda Seyfried. Desde então, a diretora se empenha em, no mínimo, manter esta proposta de trabalho, e, quando possível, ampliá-la. Hoje é impossível dissociar o trabalho da diretora de seu pensamento crítico quanto à participação da mulher e de minorias no cinema mainstream.

Nicole Kidman está muito comprometida em vivenciar profundamente sua Erin Bell, uma detetive amargurada e refém de uma vida desregrada e solitária. Por um erro de cálculo em uma longa operação conjunta com o FBI quando era uma jovem policial de Los Angeles, Erin colocou em risco sua vida e a do agente Chris (Sebastian Stan). Para piorar sua situação, o alvo principal, Silas (Toby Kebbell), escapou ileso. Desde então, Bell carrega uma culpa destruidora que a tem consumido física e psicologicamente. Quando Silas volta à ativa, a policial não mede esforços para finalmente capturá-lo, mesmo que isso aprofunde as fissuras de seu relacionamento com seus colegas, seu ex-marido Ethan (Scoot McNairy) e, principalmente, sua filha única, Shelby (Jade Pettyjohn).

Sob uma maquiagem e cabelo carregados em excesso, a acabrunhada Erin Bell se arrasta pelas ruas de Los Angeles para dar conta da missão que assume com ódio e obsessão. Se consegue admitir os erros que cometeu no passado é por que tem certeza que se vingará. Fria e embrutecida, a policial recusa cuidados e atenção ao outro, e age apenas para si própria. E mesmo depois da vingança, sua armadura não se quebra pois o que a move são sentimentos baixos como egoísmo, cobiça e desagravo. Indicada ao Globo de Ouro 2019 por Melhor Atriz em Drama, Nicole Kidman perdeu para Glenn Close por A Esposa mas alimenta suas expectativas para um resultado melhor no Oscar.

Apenas por Kidman e Kusama este poderia ser um grande filme policial e deixar a sua marca, porém, um roteiro fraco com transições clichés de flashbacks torna o longa enfadonho e raso, desperdiçando a complexidade da protagonista construída pela atriz australiana. Infelizmente, os roteiristas Phil Hay e Matt Manfredi, responsáveis por Aeon Flux (2003) e pela ótima história de O convite (2015), não acertaram muito a mão neste novo trabalho com a diretora. Os diálogos são excessivos quando as imagens já bastariam, apesar de uma história interessante. Karyn Kusama contorna como pode esta desvantagem, aplicando câmeras muito objetivas e vários close-ups e faz valer o twist ao final, para despertar algum entusiasmo no espectador. Mas, consegue mais emoção com uma câmera baixa na explosão de toda a carga dramática que vinha sendo oferecida em pequenas doses, na gênese de todo o conflito de Erin, traduzida em uma ótima sequência.

As cenas mais escuras parecem se destacar pois dão o tom do filme, mas a luz utilizada por Julie Kirkwood nas muitas cenas diurnas escancarando o submundo do crime na ensolarada Los Angeles fazem um bom contraste que gera interesse no espectador.

Como exercício de construção de personagem, O peso do passado vale a pena. Como libelo de formação de público atento às colocações de Karyn Kusama e à sua filmografia, o filme é essencial. A projeção de mulheres envoltas no sofrimento e na rejeição e que se assumem integralmente, com seus erros e acertos, viscerais em seus propósitos, traz questionamentos necessários sobre a glamourização, heroísmo e sexualização de gênero no cinema. É muito mais que meninas de rosa. São meninas com sangue nos olhos e faca nos dentes que vestem todas as cores ao mesmo tempo. É preciso acompanhá-las.

O peso do passado tem estreia prevista para dia 17 de janeiro nos cinemas de todo o país.

Confira o trailer abaixo:

 

Matéria original do site Empoderadxs, cedida gentilmente para OFuxico.

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