Daiane dos Santos cita racismo na seleção: ‘Não usavam o mesmo banheiro que eu’

Por - 25/07/21

Melhor ginasta brasileira de todos os tempos, Daiane dos Santos contou detalhes de episódios de racismo que sofreu quando integrava a seleção. Comentarista os Jogos Olímpicos de Tóquio, na Globo, a ex-atleta que popularizou a ginástica por aqui com suas nove medalhas de ouro em Mundiais, externou os bastidores do esporte.

“Acho que não existe uma pessoa preta que não tenha sofrido racismo na vida. O que acontece é que muitas pessoas não entendem o que estão passando, não sabem diagnosticar. No meu caso, sempre foi tudo muito sutil: um olhar diferente, um tratamento diferente. Uma levantada de voz”, disse em depoimento emocionado e representativo à revista Marie Claire.

A ex-ginasta destacou situações lamentáveis em que atletas não queriam sequer dividir o mesmo espaço que ela. Em diversos lugares em que representou o esporte que a popularizou.

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“Comigo, houve situações na seleção, nos clubes, de pessoas que não queriam ficar perto, que não queriam usar o mesmo banheiro! Aquele tipo de coisa que nos faz pensar: opa, voltamos à segregação. Banheiros para brancos e banheiros para pessoas de cor. Teve muito isso dentro da seleção”, disse.

CALADA

Daiane contou ainda que, embora por anos estivesse em evidência, optou por não revelar todo o preconceito que sofreu.

“Além da questão da raça, tem a questão de vir do Sul, de não ser do centro do país, de ter origem humilde. Ou seja: ela é tudo o que a gente não queria aqui. Quando a gente vê uma pessoa preta em um lugar, ela representa todas as pessoas pretas. Mostra que é um lugar possível. E ainda mais em esportes que não são os que as pessoas estão acostumadas a ver uma pele escura”, explicou.

Ela ressaltou que seu pioneirismo foi muito além. A representatividade de Daiane dos Santos no esporte – à época com 39 anos que, com o impacto no solo equivalia a 150 quilos – ganhou voz em todo o mundo.

“A repercussão foi mundial, porque eu não fui a primeira negra brasileira, fui a primeira ginasta negra do mundo a ganhar uma medalha de ouro. Se fala sobre preconceito racial na semana da Consciência Negra, no mês de novembro, que a gente tem um dia. Desculpa, eu não sou negra um dia, eu sou negra todos os dias”, desabafou.

CASO ARTHUR NORY

Daiane dos Santos comentou sobre o caso de racismo envolvendo o atleta olímpico Arthur Nory e Ângelo Assumpção, ginasta que ficou sem clube desde que denunciou o ocorrido à direção do Pinheiros, em 2019. Na ocasião, Nory – que foi eliminado em Tóquio – comparou a cor da pele do colega com um saco de lixo. Daiane afirmou que não vê lado certo no episódio.

“Não tenho falado muito sobre essa questão do Ângelo e do Nory. Eu conheço os dois desde que eles tinham oito anos e tem muita coisa atrás dessa história que as pessoas não sabem. Então, se eu não vou ajudar, não vou atrapalhar. Eu já conversei muito com os dois. Muita gente não sabe, mas eles eram melhores amigos e antes do ocorrido, já tinha acontecido muita coisa”, disse.

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“O Ângelo não treina já há um tempo. E também tem todo o sigilo do processo, então resolvi não me meter, porque é uma história em que não tem ninguém certo. Muitas pessoas negras vieram me cobrar, para eu me posicionar. Mas tem muitas questões ali”, afirmou.

“A gente ainda vai entender onde houve o erro de cada um na situação. Tudo o que a gente faz, como pessoa negra, nunca é só para a gente. E se eu for me posicionar, eu quero ter certeza de que isso vai ajudar a minha causa. Eu conversei com os dois, vi as cenas, a situação foi realmente asquerosa. Não tem nenhuma justificativa que leve a criar uma situação daquelas. Mas outras coisas existem atrás dessa história, e isso as pessoas não sabem”, pontuou a ex-ginasta. 

PRIMEIRA EM TUDO

Quando se fala em de ginástica artística brasileira, é o nome de Daiane dos Santos que aparece. A gaúcha foi a primeira atleta nacional a se tornar campeã mundial de ginástica artística, em 2003. Foi ela também a primeira atleta negra do mundo a conquistar a medalha de ouro.

Daiane dos Santos também fez parte da primeira equipe completa de ginástica feminina que o Brasil levou para os Jogos Olímpicos, em 2004.

VIDA QUE SEGUE

Atualmente, aos 38 anos, além de ser a principal comentarista de ginástica em programas esportivos, Daiane dos Santos dirige um projeto social em Paraisópolis, na periferia de São Paulo, batizado de Brasileirinhos. O nome é uma referência à coreografia ao som de “Brasileirinho”, ícone de sua carreira, recheada de reboladinhas e o inesquecível “duplo twist carpado”, salto que acabou recebendo o nome da ginasta e hoje é conhecido como “Daiane dos Santos 1”. A evolução deste, o duplo twist esticado, se tornou “Dos Santos II”. Não é fraca, não!

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É jornalista formada pela Universidade Gama Filho e pós-graduada em Jornalismo Cultural e Assessoria de Imprensa pela Estácio de Sá. Ela é nosso braço firme no Rio de Janeiro e integra a equipe de OFuxico desde 2003. @flaviacirino