Entenda por que Pantanal mudou a história da telenovela brasileira nos anos 1990

Por - 21/03/22

pantanal - cenas da tv mancheteFotomontagem

Novela, que completa 32 anos de sua primeira exibição, foi um dos maiores sucessos da teledramaturgia brasileira e mudou os rumos do gênero

Há 32 anos acontecia uma revolução na televisão brasileira em seu horário nobre. Pantanal, de Benedito Ruy Barbosa, estreava na Rede Manchete, emissora com apenas sete anos de vida. Na tela, ao invés de cenas do cotidiano urbano, da velocidade do dia-a-dia que a cidade impunha, bem representadas em Rainha da Sucata, exibida na mesma época pela Globo, imagens de um Brasil que poucos conheciam, com fauna e flora exuberantes.

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A história é conhecida, tanto a da trama da novela quanto a da saga enfrentada pelo autor para vê-la concretizada. Benedito Ruy Barbosa era conhecido como o autor do horário das seis da tarde, com temas que já abordavam o país rural, mas baseadas em histórias de época. Segundo ele próprio menciona no livro “Autores – Histórias da Teledramaturgia”, da editora Globo, publicado em 2008, e resultado de duas entrevistas, coordenadas por Silvia Fiúza e Ana Paula Goulart Ribeiro, uma em 2000 e outra no ano do lançamento: “Seu Adolpho (Bloch) disse: ‘Não quero saber quanto você ganha na Globo. Pago três vezes mais para você vir fazer essa novela aqui (na Manchete). Eu banco’. Eu topei na hora. Depois fui falar com o Boni e pedi para me liberarem. A única condição para que eu não fosse embora da Globo seria fazer ‘Pantanal’. Como não havia essa possibilidade, fui para a Manchete. ” 

Lá estava também Jayme Monjardim, outro ex-Globo, que iria inovar na direção da novela e traçar uma linha divisória entre antes e depois no gênero. Monjardim impôs um outro ritmo às cenas, um andamento diferenciado, muito mais lento ao que se estava acostumado. Em Pantanal primeira edição o protagonismo da história está mais com a natureza que com os próprios personagens. São as belas imagens do bioma pantaneiro que ficam por longos minutos em planos abertos, tomadas aéreas das paisagens, cortes lentos e cenas longas, com tempo para o silêncio das personagens, que não era nada comum até então.

Claro que há o folhetim da ocasião: intrigas aqui e ali, que se entrecruzam, embaralham, na história do peão Joventino e seu filho Zé Leôncio, desde a chegada dos dois ao Pantanal Matogrossense, do surgimento da jovem mimada Madeleine na vida deste último, do nascimento de Jove, e das tramas que envolvem seus dois outros filhos, Tadeu e Zé Lucas do Nada. Mas é a natureza que permanece como a grande estrela, em sua eternidade, quase como uma entidade acima de tudo e de todos na trama. Alguns personagens, como o Velho do Rio e Juma Marruá, se misturam com a própria natureza, são místicos e selvagens, expressam a força e os mistérios dos ciclos da vida, sugerindo, inclusive, um olhar diferente sobre a espiritualidade.

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O SALTO DA MANCHETE

Adolpho Bloch, dono da Manchete, fez uma aposta e tanto, quando decidiu entrar para o ramo da televisão, novidade para ele, cujo conglomerado de comunicação incluía revistas, sendo a Manchete a principal, e rádios por diversos locais do país.  Com estações próprias nas cidades de São Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Recife e Fortaleza, além de 40 afiliadas pelo território nacional, a tevê foi ao ar em junho de 1983, segundo relata o jornalista Arnaldo Bloch em Os Irmãos Karamabloch – Ascensão e Queda de um Império Familiar, lançado em 2018 pela Companhia das Letras. A brincadeira com o título do romance Os Irmãos Karamazov, do escritor russo Fiódor Dostoiévski foi feita pelo escritor e jornalista Otto Lara Resende, que trabalhava para Bloch, ucraniano de nascença e que vivia brigando com os irmãos.

A ideia de Adolpho Bloch era fazer uma televisão para a elite, as classes A e B, já que Globo e SBT abordavam classes mais populares e a Band não tinha público definido. Arnaldo Bloch afirma que a Manchete talvez tenha sido a primeira televisão intelectualizada do país. O “Jornal da Manchete” teria chegado a influenciar até mesmo o jornalismo da Globo, acredita ele. Mas a rixa entre as duas emissoras começa quando Adolpho rompeu o trato que havia feito com o doutor Roberto Marinho, dono da rival, que não iria entrar na seara de novelas: “Agora eu quero novela”.

Com grandes nomes entre os contratados, como o jornalista Carlos Heitor Cony, lançou a primeira novela, “Dona Beija”, com texto de Walter Aguiar Filho e direção de Herval Rossano. A novela, que tinha entre os protagonistas Maitê Proença e Gracindo Jr., atingiu um certo sucesso, chegando, segundo o livro, a bater um especial de Chico e Caetano, na Globo. Manchete virava manchete em outros veículos de comunicação. Mas na mesma proporção em que o sucesso subia, as dívidas também. Bloch, porém, não dava o braço a torcer e, já no governo Sarney, quando a dívida batia nos 100 milhões de dólares, ele foi mais fundo e investiu uma grande soma em “Kananga do Japão”, com roteiro do próprio Cony, texto de Wilson Aguiar Filho e direção de Tizuka Yamasaki, como o próprio confessa em “Autores – Histórias da Teledramaturgia”.

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Na esteira, chegou Pantanal, com um custo de 10 milhões de dólares em sua produção. Com texto de Benedito Ruy Barbosa, direção de Jayme Monjardim e apostando numa quase desconhecida para ser a protagonista da história, Cristiana Oliveira, começou com 14 pontos em seu primeiro dia de exibição, e terminou com uma média de 44 de audiência, segundo a Folha de S. Paulo. Ninguém esperava por aquilo, muito menos a Rede Globo, que tentou de tudo para frear a audiência galopante da Manchete, chegando a atrasar a novela da casa, “Rainha da Sucata”. De nada adiantou. “…a surra de Pantanal era diária, e duraria os dez meses sucessivos em que esteve no ar. Um massacre. Feito considerado impossível desde sempre e até o fim dos tempos. E que de tal forma marcaria a história da televisão brasileira que, desde essa época, a tradicional novela das oito da Globo começa às nove”, conta Arnaldo em seu livro.

A Manchete pôde respirar um pouco financeiramente, mas, como explica Arnaldo, a tabela de publicidade estava atrelada à perspectiva de audiência anterior à estreia da novela, situada na casa dos 14 pontos. Portanto, o valor da tabela comercial foi calculado para aquilo, e não os estrondosos 44 pontos. “Um precinho”, diz Bloch, que acredita que a emissora podia ter ganho muito mais.

Depois de Pantanal, mesmo com outras novelas, como “Ana Raio e Zé Trovão” e “Amazônia”, a Manchete não resistiu. Pouco mais de nove anos depois, as dificuldades financeiras eram tantas que, em junho de 1992, 49% de suas ações foram vendidas para Hamilton Lucas de Oliveira, do grupo Indústria Brasileira de Formulários (IBF), que seria acusado de comprar a empresa num acerto com o esquema de corrupção que envolveu o ex-tesoureiro de campanha do então presidente Fernando Collor de Melo, Paulo César Farias.

 MUDANÇAS PROVOCADAS PELA NOVELA

Mesmo depois de mais de 30 anos de sua primeira aparição, a telenovela da extinta Rede Manchete sempre é citada como um dos melhores exemplos de como podem conviver, na telinha, mesmo que com conflitos, inovação e audiência de massa, investimento industrial e ousadia formal e temática.

A novela sempre esteve ligada a um certo movimento de renovação da telenovela brasileira. Foi a primeira a colocar ênfase na natureza, não apenas como recurso cenográfico, mas como um personagem próprio, fora das amarras de um estúdio.

Lançada em pleno Governo Collor, que havia confiscado a poupança e a esperança de um povo inteiro, conquistou o espectador por mostrar um país possível, e colocou-o também para discutir a identidade do país e buscar representação visual de símbolos e imagens brasileiras para a telenovela. Arnaldo Bichucher, ex-diretor executivo de programação da Manchete, diz a Beatriz Becker, docente do Departamento de Expressão e Linguagens e do Programa de Pós-graduação em Comunicação e Cultura da ECO-UFRJ, em seu artigo “Pantanal: A Reinvenção da Telenovela”. “Não foi, portanto, apenas um dinheiro que Collor tirou das mãos dos brasileiros, mas também todos os seus sonhos relacionados com as ideias de liberdade e modernidade, de pertencimento ao mundo urbano, de felicidade através do consumo, de todos esses valores que a Rede Globo celebrava nas suas telenovelas e que a publicidade vendia nos intervalos. Pantanal surge justamente nesse momento em que os brasileiros ficaram sem as suas economias e as suas aspirações, escoadas pelo ralo”.

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Benedito Ruy Barbosa e Monjardim colocaram também no ar um Brasil rural, pouco conhecido da maioria dos brasileiros, o Brasil da região pantaneira. E conseguiu provar “que índices de audiência expressivos não precisam estar vinculados apenas a produtos padronizados e estereotípicos, mas podem provir também de propostas de inovação e de desenlaçamento das rotinas”, escreveu Becker.

Outro ponto a ser destacado em Pantanal diz respeito ao equipamento portátil e gravação em exteriores, até então não utilizados nas telenovelas brasileiras, mas apenas nas minisséries. Isso permitiu um trabalho mais cuidadoso, mais apurado, com um tempo diferente, só encontrado no cinema, e um aproveitamento diferenciado do elenco e do modo como representou o amor e a natureza.

Toda noite, às nove e vinte, após a exibição do capítulo de “Rainha da Sucata”, na Globo, que se estendia quase sempre um pouco mais, o público descobriu que podia ver uma nova proposta de telenovela.

Outro fator que chamava a atenção de todos eram as cores de Pantanal. Becker explica em seu artigo que o diretor de fotografia, Francisco Carvalho, que só havia completado o segundo grau, foi mestre em trabalhar com a luz natural, dosando-as sutilmente.  E, ao contrário da grande maioria das outras telenovelas, em Pantanal se dava um destaque e uma promoção excepcional não só às ambientações mas também aos coadjuvantes, criando histórias paralelas tão interessantes quanto a principal.

Jardim também caprichou nas cenas mais sensuais, com longos banhos nos rios de Juma Marruá, na pele da estreante Cristiana Oliveira, e de Guta (Luciene Adami). O que, segundo alguns trechos já divulgados pela Globo para o remake, não vão faltar nesse remake.

A MÚSICA TAMBÉM COMO PROTAGONISTA

Ganha destaque, ainda, a música na trama de Benedito Ruy Barbosa. Enquanto que, na maioria dos casos, ela é mais um componente mercadológico do que atuante na história, em Pantanal, o som direto da mata, como uma sinfonia, que Marcus Viana traduziu para o grupo Sagrado Coração da Terra, é um espetáculo à parte.

Assim, o tema de abertura e geral da novela, com o mesmo nome, permite que o silêncio, acompanhado das imagens fantásticas da região, fosse incorporado sem problemas, gerando cenas de pura contemplação impossíveis para a televisão.

A dupla Tibério/Trindade, vivida pelos músicos e atores Sérgio Reis e Almir Sater, o primeiro o administrador da fazenda e, o segundo, um peão que dizia ter vendido a alma ao cramulhão, o próprio demônio, permitiu que as canções sertanejas fizessem parte do enredo, contrapondo a história. Armados de viola e violão, ambos avessos à modernização da música sertaneja, deram o tom necessário às lendas pantaneiras.

O QUE VEM POR AÍ

Pantanal, que teve a estreia do projeto adiado por conta da pandemia, está com a expectativa em alta. Exatamente como na primeira versão, tem a difícil tarefa de trazer para a tela uma história rural, em meio ao corre-corre urbano a que estamos acostumados. A última a fugir do convencional foi Velho Chico. Nessa atual versão, também mudam alguns aspectos. Um dos principais é a questão ambiental do próprio Pantanal. Bruno Luperi, autor da adaptação e neto de Benedito Ruy Barbosa, afirmou ao Splash, do Uol, o seguinte: “Tivemos de lidar com esse embarreiramento do tempo. Sei que não estou criando a história, mas, sim, trazendo para um novo contexto. A novela inteira está pronta, tivemos a oportunidade de fazê-la como uma obra fechada”.

Além dos ajustes do tempo, outros temas vieram à tona, como os incêndios sofridos pelo Pantanal nos últimos anos. Em seu Instagram, comentou em 2020: “Essa adaptação visa lançar luz sobre questões e debates sensíveis para a sociedade ao longo da trama, buscando, além do mero entretenimento, propor, quem sabe, uma reflexão importante para o Brasil.”

Outro tema bastante atual é a discussão do racismo, que não fez parte da versão original. A Globo, segundo o Uol Notícias, resolveu reformular um núcleo inteiro da novela para ambientar atrizes e atores negros e debater a questão. O núcleo escolhido foi o de Tenório, vivido por Murilo Benício, e onde, prometem, o preconceito será escancarado, como estratégia de denúncia. Caberá a Aline Borges ser a Zuleika, mulher de Tenório, antes vivida por Rosamaria Murtinho.

Em comum, as duas versões optaram por um rosto pouco conhecido para a protagonista da história, e a mesma trilha sonora original. Juma Marruá será vivida nessa edição por Alanis Guillen, conhecida apenas por seu trabalho em Malhação – Toda Forma de Amar (2019) . Terá, como companheiros de trabalho, atores e atrizes de peso como Marcos Palmeira, Juliana Paes, Bruna Linzmeyer, Jesuíta Barbosa e outros. A lista é enorme e a expectativa tão grande quanto.

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Idealizadora do site OFuxico, em 2000 segue como CEO e Diretora de Conteúdo do site. Formada em jornalismo pela Faculdade Casper Líbero, desde os anos 1980 trabalha na área do jornalismo de entretenimento. Apaixonada por novelas, séries, reality, cinema e estilo de vida dos famosos.